Bate-papo com o grafiteiro Júlio Costa da Nova10ordem Crew

O grafiteiro Júlio Costa da Nova10ordem Crew e integrante do corpo diretivo do projeto Musas – Museu Street Art de Salvador, 37, com aproximadamente 20 anos de atuação na cena urbana, durante o bate-papo com o blog A Arte na Rua falou a respeito do projeto que resultou na exposição de grafite alusivo ao dia 20 de novembro, data comemorativa da Consciência Negra, no subsolo da Estação Nova Lapa. Confira:

A Arte na Rua – O dia 20 de novembro, comemorativo a Consciência Negra, foi o ponto de partida para realização da exposição de grafite na Estação Nova Lapa?

Júlio Costa – Sim. Caiu como uma luva. A ideia da pintura na Lapa reascendeu a necessidade de colorir as cinzentas pilastras e transformar essa ideia numa galeria de arte com o amadurecimento do tema.

AAR – E como surgiu essa ideia?

JC – De várias cabeças. Na verdade, a temática surgiu por conta das iniciativas do governo estadual previstas para a programação do mês de novembro direcionados ao tema Novembro Negro.

AAR – Qual o papel do projeto Mais Grafite?

JC – O Mais Grafite é um projeto do governo do estado criado para dialogar com a street art, usando uma linguagem que desperte o interesse da juventude para a arte, além de embelezar os espaços públicos.

AAR – Qual o seu papel no projeto?

JC – Coordenador pedagógico e artista responsável pela metodologia.

AAR – Você foi o responsável pela curadoria?

JC – A curadoria do projeto ficou com o Musas em conjunto com a direção do projeto. Mas foi necessário dialogar com muitas pessoas, representantes da Estação Nova Lapa, do governo e grafiteiros. Eu apenas escolhi os grafiteiros e os nomes dos personagens homenageados.

AAR – Como se deu a escolha desses personagens?

JC – Foi fácil, já que pensamos em quem pudesse enaltecer o menino que vendia amendoim ou a menina que acompanhava a mãe na correria do dia a dia. Escolhemos imagens que, para a maioria dos baianos, sempre foram negadas pelo fato de homens e mulheres de cor reconhecidos pelos seus atos heroicos não serem estampados em qualquer lugar da cidade. Para nós, a ideia se transformou numa conclusão positiva quando presenciamos em uma das noites de trabalho duas funcionárias lavando as escadas se reconhecerem como “Dandara”. Ou o menino vendedor de água comentar que “Zumbi” era o pai de um outro vendedor. Além disso, passarmos quase todas as noites ouvindo músicas de revolução negra sendo cantadas pelos seguranças noturnos.

AAR – Com a temática pré-definida, foi difícil a seleção dos artistas?

JC – Não. Aliás foi muito fácil já que a temática é o cotidiano da vida da maioria dos grafiteiros da cidade. Quanto a técnica utilizada sabíamos que os resultados seriam ótimos, haja visto, o fato do empenho de cada um. Difícil mesmo, foi escolher os 10 artistas participantes, pois como falei antes, a maioria é envolvido com o tema da militância negra.

AAR – Além do Coletivo Musas, quem participou como convidados?

JC – Olukemi (Fela Kuti), poetisa Fabiana Lima (Singa), Solis (Malcon X), Barata (Nelson Mandela), Drico (pichador Sinal), Sagaz (Marcos Rezende), Ixluts (Nelson Maca), Ananda Ramses (Luiza Mahin), Monique (textura de tecidos africanos), Feik (Matheus Aleluia), Pinel (Olga de Alaketu), Pita (mãe Menininha do Gantois) e Dolks (mestre Jorge Rasta).

AAR- Quanto dias foram necessários para pintar as colunas?

JC – Foram 10 noites de trampo até às cinco da manhã. Mas valeu à pena!

AAR – A temática destaca fatos da nossa história que não são do conhecimento de todos, principalmente de estudantes. Sabemos que o grafite é efêmero, mas, enquanto está sendo visível para o público que circula no local, o que pode ser feito ainda mais para ampliar a divulgação dessas belíssimas obras de arte?

JC – Devo salientar que apesar de ter a certeza de que a sua afirmação é verdadeira, tenho que afirmar que para o grafite o tema é corriqueiro e muitas vezes até redundante. Quando se trata de grafite negro ou de resistência, ou quando diz respeito a expor a beleza por traz da religião, música, poesia ou luta negra, ele enaltece o seu tema espalhando de forma endógena “zumbis” e “dandaras” por todas as periferias da cidade. Acredito que essa sua pergunta tenha uma carga de alfinetada já que a maioria dos trabalhos de grafites são tratados da mesma forma por nós grafiteiros, não só na estação, mas em todos os outros locais. Depois de fazermos, apenas seguimos…

AAR – O que pode ser feito?

JC – Gostaria, por exemplo, de participar de uma aula de história com alunos naquelas pilastras, adoraria ter conseguido colocar em prática o plano de ter a história escrita também nas pilastras ou, quem sabe, num site com as imagens e biografias de cada um dos personagens. Mas acho que no que tange o dia a dia, as referências iriam surgindo assim: ao descer de um ônibus ou subir uma escada dando de cara com uma pantera negra ou um Zumbi dos Palmares, ter suas ações seguidas pelos olhos da Padroeira do Brasil e prestando atenção que ela é negra. Acho que esse é o que precisamos em cada lugar e que cada muro seja um quilombo. Por mais que exista todo tipo de pensamento positivo ou negativo no que se trata dessa ação, cada pilastra funcione assim mesmo como uma pilastra.

(Fotos: byJFParanaguá. Direitos reservados. Denuncie abusos).

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *