Entrevista com Leo With

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Abraham Lincoln, uma das obras do grafiteiro Leo With

O jovem Leandro de Oliveira, apelidado Leo With, 30 anos, casado, 2º Grau Completo, residente no Alto do Cabrito, periferia de Salvador, depois de 10 anos como pichador, considerado o terror do SB (Sistema Brutal), iniciou a partir de 2008, sua trajetória como grafiteiro, graças a prática do Evangelho. “Eu aceitei Jesus! A partir daí procurei mudar minhas atitudes”. Artista talentoso explora o estilo realismo como temática principal de seus trabalhos. Atualmente está entre os grafiteiros mais atuantes do cenário soteropolitano. Confira a entrevista concedida ao A Arte na Rua:

A Arte na Rua – Qual foi o motivo que não lhe deixou continuar os estudos?

With – A pichação. Ou eu pichava ou estudava velho (risos).

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AAR – Por que você não fez as duas coisas ao mesmo tempo?

With – Porra! Não deu. Eu pichava pela manhã, pela tarde e à noite.

AAR – Qual foi sua referência como pichador?

With – Saci o.d. Por onde andei encontrava um risco dele.

AAR – Então você se espelhou nele?

With – Não. Mas, na época pensei: Pô! Velho! Esse cara está muito ousado. Vou competir com ele. Mas deixou de riscar e eu continuei. Entrou no sangue já foi “veio”!

AAR – Quanto tempo durou essa fase?

With – Isso foi há 16 anos. Eu estava com 14 anos de idade. Essa fase durou 10 anos. Foram gastas muitas latas de tinta.

AAR – Nessa época onde você morou?

With – Próximo à antiga estação de transbordo, em Campinas de Pirajá.

AAR – O local foi seu reduto de pichação? Depois você partiu para o centro da cidade?

With – Sim. Comecei em Campinas. Depois percebi que não dava mais. Então parti para o centro. Em seguida fui pra o subúrbio, periferia. Cheguei até a ir pra cidade de Sergipe. Lá, tive a infelicidade de ser preso.

AAR – Qual foi a sua transgressão?

With – Pichei uma loja da Insinuante. Uma câmera localizada ao lado da loja me filmou. Fui detido pela polícia, por sinal, mais truculenta do que a de Salvador. Com a prova da filmagem em mãos me levaram pra Delegacia próxima a loja. Interessante que não vi a Delegacia. Passei maus momentos. O delegado me perguntou diversas vezes: “O que você estava fazendo lá em cima?”. Respondia em poucas palavras, mas com sinceridade: “Sai de Salvador com o objetivo de pichar em outro estado. E escolhi aqui pra iniciar”. Fiquei preso numa cela aguardando meu pai que teve que viajar pra me soltar.

AAR – Você decidiu ir pra outros lugares sob o argumento de que Salvador já não tinha mais espaço. Em Salvador quais lugares você pichou?

With – Salvador de ponta a ponta. Inclusive deixei minha marca em algumas cidades do interior baiano, como por exemplo: Conceição do Coité, Serrinha, Cachoeira, São Félix. Fui grafitar e aproveitei pra pichar. Sabe como é!

AAR – Você assinava como?

With – SB (Sistema Brutal) e With.

AAR – Você participou da SB?

With – Sim. Depois criei uma gang chamada EB (Esquadrão Bronca). Por sinal, até hoje está sendo assinada por Acme. Na verdade, a Sistema Brutal teve a função de unir diversas gangs, a exemplo da CI (Comando Infernal) de Avalanche, IS de King, GI de Secto. Noventa por cento delas faziam parte da gang Sistema Brutal.

AAR – Em Salvador, durante sua fase de pichador você sofreu alguma abordagem?

With – Você quer dizer quantas abordagens? Por conta dos meus atos devo ter sido conduzido a várias Delegacias.

AAR – Então você era considerado um terror?

With – Olha velho! Naquele período a pichação pra mim fazia parte da minha vida. Era como se… Vou lhe dar um exemplo: Uma pessoa não fica sem tomar café da manhã e sem almoçar. Então é a mesma coisa com o pichador. Se ele não pichar, falta-lhe algo.

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AAR – Mais o que levou você a ser um pichador? Revolta do sistema? Audácia ou adrenalina? Vontade de extravasar?

With. A partir de 1999, eu já estava estourado porque risquei o 8º Batalhão com a frase Poucos dias de loucura. Essa frase foi o estopim. Todo mundo queria saber quem era With. Nessa época ninguém se conhecia porque não existiam redes sociais nem publicações de fotos.

AAR – Vocês têm conhecimento das implicações que estão sujeitos se forem pegos pichando. Mas, mesmo assim, continuam. Inclusive divulgando reuniões em redes sociais. E você foi um deles.

With – Eles podem até pegar. Mas a galera tem tomado cuidado pra evitar o flagrante.

AAR – Além dos motivos citados acima, a transgressão tinha a finalidade de mostrar para as “minas” o quanto vocês eram audaciosos?

With – Ah! Isso aí acontecia muito (risos). Teve uma época que eu pratiquei surf bus. Outra coisa: tinha até um ônibus apelidado pela galera de “buzu do role”. A galera, a fim de conhecer quem era quem, ficava esperando nos pontos esse ônibus que fazia a linha Marechal Rondon/Lapínha.

AAR – Seus pais tomaram conhecimento de suas atitudes?

With – Eles não concordavam com os meus atos. Minha mãe quando soube que eu era o With, quase teve um enfarto.

AAR – Você usou alguma droga pra praticar os atos de vandalismo?

With – Nunca usei droga na minha vida. Até hoje algumas pessoas e amigos não entendem porque eu fazia aquilo. Mas eu pichava pela arte, arte vandal. Nunca naquele estilo drogado revoltado.

AAR – Qual o picho que você considera que foi foda?

With – Pô! velho! Teve um que fiz no último andar de um imóvel em frente a uma igreja no Largo do Tanque e até hoje permanece no local. Risquei um EB letrado e um tag do Sistema Brutal. Mas me dei mal. Um cara me pegou pela camisa e apontou uma arma na direção do meu rosto gritando: “Ou você se joga daí ou lhe mato”. Felizmente ele me deixou ir embora.

AAR – Ainda corre nas suas veias o desejo de pichar?

With – É como se você perguntasse pra um usuário de droga se ele quer continuar a usar. Ele vai dizer que sim. A mesma coisa sou eu. Caso você me pergunte vou lhe responder que sim. Mas, eu tenho algo mais forte que não me deixa voltar.

AAR – O que levou você a deixar de pichar?

With – Eu aceitei Jesus! Passei a praticar o Evangelho. A partir daí procurei mudar minhas atitudes. Então deixei de pichar e passei a fazer grafites. Apesar de achar que o grafite também tem uma coisa meio vandal, mas ele é do bem.

AAR – Depois da fase de pichador você escolheu ser um grafiteiro?

With – Pra mim o cara pra ser um grafiteiro tem que passar pela pichação. Não tem que vir de escola nem de faculdade.

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AAR – Qual a sensação que você sentiu quando iniciou no grafite?

With – Percebi que cresci intelectual e culturalmente.

AAR – Você formou alguma crew no início do grafite?

With – Formei a 91. Quem não conhece a 91 Family!

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AAR – Fale-me um pouco da Family?

With – Família 91 não é um Crew. Família 91 é sangue. Eu digo que os integrantes da 91, Acme e Blok, são meu sangue. Não é o sangue biológico, mas, mesmo assim, os considero meus irmãos. Teve um período que participaram da 91 Family, os grafiteiros Notem Cash e Dufs.

AAR – E hoje, qual é o seu crew? Observo que você passou a utilizar o nome Leandro antes da tag With nas assinaturas do grafite. Qual foi o motivo que levou você a fazer essa mudança?

With – Puxa! Você é muito observador. Vou lhe explicar. A palavra With como muitos sabem na tradução em inglês significa a preposição “com”. E eu creio que não vou ficar somente aqui. Quero conhecer outros países. E lá fora, certamente, muitos vão me conhecer como “com”. E não quero isso. Mas, sim Leo With. Meu apelido junto com minha assinatura.

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AAR – Qual é o seu estilo preferido?

With – O realismo.

AAR – Você se espelha em algum grafiteiro?

With – No estilo realismo tem alguns, mas prefiro não citar nomes.

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AAR – Você pesquisa muito pra desenvolver os personagens?

With – Comecei a estudar muito sobre arte e pesquisar literaturas com obras de Leonardo Da Vinci. Admiro, também, muito as pinturas de Belin, um artista europeu.

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AAR – Quais materiais você utiliza em suas pinturas?

With – O básico: tinta látex, e spray. No caso do spray eu não compro caps (pitos) fino e grosso. Procuro usar nas minhas pinturas o pito normal e dimensiono a quantidade de tinta através do dedo.

AAR – Como surgem suas ideias?

With – Do cotidiano. Vou lhe ar um exemplo: estou observando as expressões das pessoas que passam por aqui (Praça da Piedade) nos observando durante a nossa conversa. Também escolho os fatos que acontecem, como por exemplo, a morte do comediante Chaves, dentre outras.

AAR – Então você já leva um tema em forma de rascunho pra pintar na rua? As cores são definidas no local?

With – Sim. Um tema definido. Não gosto de criar do nada. As cores são azul, cinza, cor da pele… Tom sobre tom.

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AAR – Você também tem um book?

With – Tenho. Mas não é muito bonito (risos).

AAR – Você é adepto do bomb?

With – Já fiz muitos e ainda faço, mas em preto e branco. Gosto de usar a tag With e meu o símbolo que é uma espada. Ela representa o “Ás de Copas”, a carta mais forte do baralho.

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AAR – O que representa pra você esse símbolo?

With – Como já fui considerado exaltado… Não quero ser considerado no baralho o “Barão” nem o “Ouro”. Mas ser o melhor no que faço.

AAR – Você pode definir o prazer que sente em grafitar?

With – É algo inexplicável!

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AAR – O que lhe dá mais satisfação no desenvolvimento do seu trabalho?

With – Saber que estou contribuindo para a história do Brasil e do mundo. Pra você ter uma ideia, eu sofri muito preconceito dentro da igreja. Mas, através da palavra eu consegui que “os irmãos” entendessem que a arte vem de Deus. Teve momentos que fui tachado de diabo pelos irmãos da igreja por publicar em rede social meus grafites. No entanto, hoje, eles curtem e admiram o meu trabalho.

AAR – Qual a recompensa você vem obtendo com o grafite?

With – Lembra-se da nossa conversa sobre Bezalel. Ele era um hábil mecânico e desenhador. Pra que recompensa melhor.

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AAR – Você gosta de pintar sozinho ou em grupo?

With – Na maioria das vezes gosto de pintar sozinho. É muito raro encontrar alguém que se adapte a pintar comigo. Mas, às vezes acontece fazer uns trampos com os companheiros Blok e Acme.

AAR – Recentemente encontrei você pintando ao lado do grafiteiro Eder Muniz. Está rolando uma parceria?

With – Iniciamos uma interação. Aquela pintura que você registrou na BR-324, foi a primeira de uma série. No domingo passado (dia 30), pintamos em Castelo Branco, acompanhados pelo artista plástico Bida e o grafiteiro Baga.

AAR – Qual o resultado da sua experiência pintando ao lado de Eder Muniz?

With – Gostei. O grafite dele é surreal e o meu realismo. Os comentários elogiosos são muitos. E pintar ao lado de um mestre é um privilégio.

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AAR – Quando você está pintando qual a reação da população?

With – As reações são diferentes. Uns aplaudem, dão palpites, outros se pudessem arremessavam objetos. Teve um fato interessante com o grafite que fiz no viaduto que liga a Via Expressa com a Barros Reis, nos 2 Leões. Uma pessoa que se disse minha fã, apesar de considerá-la uma visualizadora do grafite, acessou o meu Face e comentou que estava a caminho do seu trabalho muito triste. Quando o ônibus passou pelo viaduto ela viu o grafite do ator Wolverine e sentiu uma sensação que não soube explicar. Desceu do ônibus para fotografar e postar, fazendo elogios ao Wolverine, pelo qual tem grande admiração. Aquela imagem lhe deu outro ânimo. Velho, depoimentos desse tipo elevam nosso ego.

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AAR – Circulo por vários pontos da cidade e sempre encontro uma pintura sua. A ideia é divulgar e/ou marcar espaços?

With – Divulgar o meu trabalho e fazer historia. Apesar de não ter apoio financeiro de nenhum órgão, o gasto é exclusivamente meu. Mesmo não participando do Projeto Salvador Grafita ou ter meus trabalhos publicados em algumas revistas, as minhas pinturas faço por amor!

AAR – Como você define a cena em Salvador?

With – A cena evoluiu muito. E também pra quem quis evoluir.

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AAR – Quais são os grafites seus que você gosta mais?

With – Wolverine, Mulher gato, Mário Quintana, Bruce Lee. Chaves, por exemplo, eu acho que teve um sopro divino naquele desenho. Fiz com muito amor e respeito pelo protagonista, ator e diretor.

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AAR – Quer deixar uma mensagem?

With – Quero dizer que o grafite tem que ser feito com amor.

(Fotos: Divulgação e byJFParanaguá. Direitos reservados. Denuncie abusos).

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