Entrevista com o grafiteiro soteropolitano FR3D

byJFParanaguá

O jovem grafiteiro e multimídia FR3D (Frederico Fernandez), 33, natural de Salvador, é formado em Publicidade pela USP, com mestrado em Animação pela University of Southern California (USC), nos EUA. Morou em Paris, onde fez seu primeiro rolê em 2009. Também pintou em outros países, a exemplo dos Estados Unidos, Espanha, Portugal, Chile, Panamá e Venezuela. No Brasil, suas criações estão presentes nas cidades de Salvador e São Paulo. Atualmente o artista trabalha com personagens criados na hora, muitas vezes com sequências de ações impactantes e espontâneas. “(…) talvez um guardião, um fragmento da nossa personalidade misturada com as influências da rua. (…) um misto de grafite com animação inspirado num old school de ambos”. Leia mais na entrevista a seguir:

A Arte na Rua – Como você começou a se envolver com a arte?

FR3D – Quando entrei no curso de Publicidade gostava de desenhar, mas era bem básico o meu conhecimento, daí junto com minha namorada da época, tentei uma escola de artes em Lyon por um ano. Digo tentei, porque o curso completo eu não pude concluir, estava com problemas de saúde na época, feri minha coluna trabalhando no campo. A partir daí morei em Paris mais um ano e meio, com amigos que desenhavam, vivíamos meio que numa república. Um dia fomos num rolê na antiga linha de trens, que já não passam mais. Porém ainda tem muitos bons viadutos que constantemente são pintados por writers ou até mesmo entusiastas do grafite. E não consegui terminar o grafite com spray, o que obviamente mostra para os outros que você é um bafo, toy, inexperiente… Fiquei meio insatisfeito por não ter terminado. Daí, guardei o lugar e voltei lá com outro amigo de São Paulo, que fazia grafite e morava comigo. Fizemos um piece no muro da linha do trem, embaixo de um viaduto. Ele já tinha uma base com spray, eu usava mais rolinho de latex depois contornava, técnica que ainda uso sempre. O rolinho sempre foi uma marca de estilo e coloca-me mais próximo de outros writers que curtem essa técnica também, alguns que admiro. Quando fiz o curta animado em Los Angeles, foi dessa forma, rolo e spray.

FR3D

AAR – A disciplina de arte na escola ou herança familiar lhe influenciou?

F3D – Ninguém. Minha mãe me ajudou muito. Meu pai já foi contra, hoje apoia.

AAR – Desde quando você assina sua arte na rua?

F3D – O primeiro rolê dessa história em Paris foi em 2009. Teve antes, mas só descontraidamente, uns tags

AAR – Como funciona a ocupação do espaço público compartilhando com outros artistas para que nenhum trabalho fique prejudicado? Até onde vai a liberdade de cada artista?

F3D – Existe o respeito, ele representa e cria a lei do espaço. Quando isso é quebrado, podem existir tragédias. Essa história já foi contada muitas vezes. Na “real” é mais simples: você pode entrar em contato com o artista da pintura que foi coberta e tentar trocar uma ideia, ressarcir o dano de tinta, já que ele gastou tinta e tempo e talvez o seu próprio pescoço para fazer aquele lugar… É o mínimo. Mas a história do grafite mostra tretas imensas por coisas como essas, então, quem sou eu para dizer regras… Hoje existe um pouco mais de burocratização do espaço por parte de projetos de editais e uma espécie de revigoramento do espaço urbano. O respeito é a lei de quem escreve na rua. Os outros que não conhecem isso são vistos como bafos, toys, sem voz para falar de grafite menos ainda pichação… Acho legal que possamos fazer murais maiores patrocinados, minha única questão seria a liberdade de expressão.

Hoje vivemos um regime de censura velada, porque certamente houve uma mudança na maneira como o público passou a perceber o grafite de rua depois do Instagram e das mídias sociais. Diria que houve mais divulgação de maneira geral, com os likes e tal, mas isso também trouxe mais censura à certos temas que são muitas vezes abordados pelo grafite de rua. Alguma arte que não polarize a internet, que critique a conduta da mesma ou a de seus usuários, tem menos chance de ser ativamente veiculado por um algoritmo de mídia social. Daí passamos a ter o controle de uma mão invisível que decide o que “bomba” ou some do feed de notícias. Enfim, pode existir fake news mesmo no grafite, muita gente que pinta só estúdio fechado, mas sabe postar uma foto, o grafite que ninguém vê. Existe também uma tendência que vejo no Instagram, e considero algo mais próximo da ideia do ato de pintar no espaço público: o grafite de abandono, que fica popular na internet mesmo sem ser visto na rua. Comum hoje em dia, acredito ser um caminho para aqueles que confiam 100% na internet. Ainda assim prefiro os que são visíveis.

FR3D

AAR – Suas obras são realizadas em espaços públicos. Além desses lugares, em quais espaços você realiza intervenções?

F3D – Espaços públicos e digitais também.

AAR – Além do trabalho da arte urbana, tem alguns projetos paralelos ou guardados?

F3D – Sim tenho, podemos falar mais a frente, adianto que é algo que envolve animação, música e multimídia.

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AAR – Para descontrair. Você tem algum fato pitoresco ou curioso que aconteceu com você durante seu trabalho?

F3D – Uma vez atropelei um grafite na linha do trem em Los Angeles com um bomb e o dono apareceu para mostrar o grafite a namorada. A figura era um latino com cara de gangueiro teen. Troquei ideia sobre a forma como ele desenhou o bomb, depois me perguntou se eu era famoso. O brother que estava comigo tinha estudado animação e não sabia muito de grafite, era a primeira vez que eu levei ele para pintar o muro. Ele disse ao mano que não, éramos famosos. Eu tinha feito um filme com animação de grafite em Los Angeles, perto do bairro onde vários artistas do Hip-Hop, South Central, que eu curtia nasceram. Achei a conversa toda muito engraçada, uma vez que se passou o conflito inicial… Tem muitas histórias (risos).

AAR – Você já foi abordado por alguma autoridade policial?

F3D – Sim. Algumas vezes.

AAR – Você conhece outros países?

F3D – Sim. Já pintei na Espanha, Portugal, França, Estados Unidos, Panamá, Chile e Venezuela. No Brasil, pintei mais em São Paulo e Salvador. No Rio, ainda não. Se alguém chamar…(risos).

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AAR – O grafite ou pichação é considerado arte transgressora?

F3D – Sim. Contesta o status quo…Tem vontade própria.

AAR – Como você vê o grafite de hoje em relação de quando você iniciou?

F3D – Hoje existe uma dissolução do processo original do Hip-Hop, algo que explodiu nos anos 70, que eu saiba… Os novos sabem cada vez menos sobre o Dondi, o Kase 2, os Mulekes do Break, tipo Rock Steady Crew, a Martha Cooper, o Style Wars, ou mesmo o Di, o Juneca, os precursores da pichação, grafite, no Brasil… Muitos outros que vieram e criaram o caminho do Hip-Hop. Hoje, ainda descubro mais e mais referências do fenômeno original. No Brasil, criamos o “Grapixo” gosto muito da categoria. Acho foda, talvez o melhor do mundo…Tipo seleção (risos). Isso se não acontecer o apocalipse e o esporte deixar de ser e o ser humano deixar de ser. O grafite existe por si só no contexto das cidades grandes.

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AAR – Você acredita que aqui em Salvador ainda tem resistência ou está melhorando bastante?

F3D – Salvador é uma cidade violenta, o grafite existe dentro desse contexto e eu diria, que se você conhece onde pisa, Salvador te ajuda, as pessoas aplaudem, mas se você se perder ela pode te derrubar, daí tem que correr, para evitar ser detido ou até sofrer alguma lesão física e moral… Conheço pouco da cena da pichação de Salvador, tenho a impressão de que é perigosa. Conheço gente que morreu na rua em Salvador, e tenho amigos que gosto muito também.

AAR – Na sua opinião, como a cena se encontra hoje no Brasil?

F3D – Cenas são passageiras. Eu acho que não tenho muito a acrescentar ao que você provavelmente já enxerga de uma “cena brasileira”…A cultura sim, acho interessante, a cena não…Cenas são impressões sobre o fenômeno, e não o fenômeno em si. A cultura fica, e pode, ainda, ser lembrada como verdadeira fonte de inspiração por outras gerações. Amizades que se sustentam independente da cena são muito louváveis na minha opinião.

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AAR – O que te deixa mais empolgado no grafite?

F3D – Descobrir, e pintar, novos lugares. Ver a rua como algo que ensina, ainda que, muitas vezes, de maneira dura.

AAR – Você integra alguma crew?

F3D – Tenho muitos amigos no bairro da Pompéia/Perdizes em São Paulo. Acho que de uma certa forma é o mais próximo de uma crew. Ou seja: uma família, o Vadios, Pichação e grafite desde 89. Mesmo assim, acho que pra ser verdade tem que fazer mais pela crew do que faço atualmente. Já fiz alguns Vadios no passado. Hoje faço pouco. Gosto da galera e quando tem encontro vou e pinto junto. O Vadios tem bastante história na pichação. O LZN foi um dos maiores escaladores de prédio na época dos anos 90/2000. Tem Josélio, o Rói, o Pagão e o falecido Né, que criaram a crew ainda na escola. Eles fizeram muito e ainda fazem onde moram, um pouco distante do Centro de Sampa. Tem o Kep que me pôs na crew, um grande amigo meu.

AAR – Qual o período de atuação na Crew Vadios?

F3D – 2010 até 2013 mais ativamente, 2014 fiz uns em Los Angeles. Ainda me sinto no direito de fazer se quiser.

FR3D

AAR – Fotografei algumas pinturas em que você aparece sozinho ou com outros grafiteiros. Como você escolhe o parceiro para um trampo?

F3D – Normalmente, tudo começa fazendo bomb (risos). Acho que dá pra ver com maior clareza a personalidade de cada um durante uma ação. Parcerias verdadeiras se atraem pelo próprio fluxo das coisas, o que me leva a gostar muito das amizades que fiz e continuo fazendo no grafite. Até fui num evento de grafite pela primeira num fim de semana desses. Acabou sendo meio tedioso. De repente, festivais maiores, podem ser mais interessantes, um dia quem sabe…

A rua não deveria ser palco para políticas passageiras, coisa parecida com o que se vê nas artes plásticas, ou mesmo no mundo do entretenimento holywoodiano.

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AAR – E sobre seu novo personagem?

F3D – Eu crio o personagem na hora muitas vezes e tento imaginar uma sequência de ação impactante e espontânea, estilo Hip-Hop (em muitos casos). Acho que a coisa vai evoluir para refletir histórias que vejo ao meu redor.

AAR – Quem é ele?

F3D – A criança interna de cada um, talvez um guardião, um fragmento da nossa personalidade misturada com as influências da rua. No meu caso, eu vejo como um personagem animado que incorpora a ideia do tempo no seu momento presente, do seu espaço quântico, coincidência que cria experiências, sincronicidades, fluxo e movimento. No estilo, acho que é um misto de grafite com animação inspirado num old school de ambos. Animação posso falar que gosto muito do desenho francês, dos clássicos americanos e muito “anime” também (risos). Na real uma sopa disso tudo! Até já tive a sorte nessa vida de conhecer alguns dos meus heróis do mundo da animação e do desenho.

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AAR – Você pode citar alguns deles?

F3D – Conheci uma vez o diretor de anime Masaaki Yuasa, diretor do longa animado chamado “Mind Game”, um cara brilhante e expressivo que tive a sorte de conversar durante um festival; o Jean Giraud, o “Moebius”, que desenhava para a revista Heavy Metal e fez aquela série de quadrinhos “O Incal”, troquei umas ideias com ele numa festa em 2009, eu sou fã e lamentei a sua morte em 2012. Outro que vi num festival nos Estados Unidos foi o Brad Bird, diretor e roteirista de “os Incríveis”, da Pixar. Também teve o Bob Balser, diretor do desenho animado dos Beatles, o “Yellow Submarine” dos anos 70, um senhor muito gente boa, até fizemos uma amizade.

AAR –Qual foi o resultado desse encontro no seu processo de criação?

F3D – Essas figuras acabam por influenciar o meu processo, as vezes até mais diretamente como o Peter Chung, diretor da animação “Aeon Flux”, que foi meu professor por seis meses. Lembrando agora parece até mentira (risos), mas conheci também o criador do Bob Esponja, o Stephen Hillemburg, o Diretor da Bela e a Fera, o Gary Trousdale, da Disney, o Glenn Keane, animador monstro da Disney, o David Silverman, diretor dos Simpsons, e finalmente, um dos meus grandes ídolos, o Hideo Kojima, diretor do video game “Metal Gear Solid”, trombei com ele num Starbucks e fui lá conversar com o cara e falar o quanto curtia o trabalho dele, ele foi super simpático. Em Los Angeles, ainda gostaria de conhecer mais gente do grafite de lá, aparentemente não conheci ninguém mais estabelecido (no grafite), digo, assim como conheço muitos bons artistas do Brasil.

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AAR – No Brasil, por exemplo, quais são?

F3D – Em São Paulo e redondezas conheci: O Nunca, o Highgraff, o Kaur, o Dev, o Fétos, o Alex Senna, o Flip, o Gueto1, o Ninguém Dorme, os OTM (Operação Tinta no Muro), Quinho, Nojon, Sow, Credo (tem outros da Crew que ainda não troquei ideia diretamente), o SkateLixos, o Brutais “grapixo”, do Vadios tem o LZN, Thatá, Kep, Dxt, Josélio e o Rói. Tem mais gente, estes são mais próximos na lembrança. Em Salvador: Cortez, Fael, Dimak, Core, Afro, Vandalism, MFR, Limpo, esses são mais antigos ou da minha época, tem uma galera mais nova que ainda vou esperar antes de citar nomes. Curiosamente, ainda que conheça menos nomes em Salvador, já pintei bastante com alguns destes e sozinho também. No Rio: conheci o Toz e o BR, ambos da Flesh Back Crew.

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AAR – Morar na Califórnia foi um divisor no seu processo criativo?

F3D – No passado me via como um artista do grafite freestyle, hoje acho que ainda faço freestyle, crio na hora, muitos do que fiz. No entanto, o próximo passo acredito que seja começar a desenvolver ideias para projetos mais longos, que englobem a cultura de rua no seu decorrer, não ficando alienados apenas ao estúdio e ao papel. Morar na Califórnia me ajudou neste processo. Fiz um filme animado com grafite no muro, exibi ele no DGA (Director’s Guild) como parte do mestrado que fiz pela USC (University of Southern California). Esse mesmo estilo de trabalho me rendeu uma vinheta curtinha no Adult Swim, canal de TV fechado ligado à animação adulta, relativamente famoso pra quem gosta. Tiveram outros projetos também, mas agora estou numa fase de recomeço, já que voltei ao Brasil em janeiro deste ano.

AAR – De volta ao Brasil, como se dará esse recomeço?

F3D – No processo artístico, quero unir grafite às multimídias modernas, ampliando a cultura já verdadeira das ruas. Algo que, na minha opinião, muitas vezes falta na cultura de massa atitudes e conceitos verdadeiros, que se prestam a revelar o contexto do ser humano, independente de estereótipos, castas e privilégios. Ainda estou na caminhada, enfim… Meu sonho é lançar uma linha de aplicativos que envolvam o grafite e a cultura de rua como conceito, inspiração e mitologia. Estou trabalhando com isso no meu tempo livre, já que no momento não possuo emprego e, felizmente, estou pintando na rua com mais frequência (risos). Agradecendo a oportunidade de falar de minha caminhada venho a me despedir e desejar uma boa jornada a todos, valeu Paranaguá.

Contato: www.efe3d.com

(Fotos: FR3D & byJFParanaguá. Direitos reservados. Denuncie abusos).

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1 comment for “Entrevista com o grafiteiro soteropolitano FR3D

  1. Luiz Fernando
    25 de janeiro de 2020 at 21:36

    Um artista muito talentoso.

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