O Grafite nos Estudos de Paranaguá

Iamani Paranaguá

Este blogueiro e o amigo e professor Francisco Zôrzo, no momento da entrega do livro A Arte na Rua

Texto: Francisco Antônio Zôrzo (Professor do Instituto de Humanidades, Ciências e Artes da Ufba).

José Francisco Paranaguá fez um obséquio valioso ao público soteropolitano interessado nas questões colocadas pelo grafite e pela pichação. É mister, aqui, pinçar algumas das qualidades do recém publicado livro, “A Arte na Rua”.

A longa pesquisa de Paranaguá desembocou num livro luxuoso, uma coletânea que constitui tesouro rico e diversificado sobre a cultura visual da cidade. Com amplo repertório de produções dos malucos geniais de Salvador, o autor fez da sua obra um mix de manual de criação e fonte de reflexiva.

Uma experiência só ensina a aquelas pessoas que sabem aproveitá-la. Facilmente ela nos escapa. Mas, se o objeto da pesquisa por si só traz as suas dificuladades e desafios, Paranaguá foi certeiro. O fenômeno do grafite é quase inapreensível, por sua natureza de efêmero e contingencial, mas essa pesquisa sobre a street art conseguiu plasmar algumas verdades duradouras e significativas.

Para Salvador, as paredes não são mortas, apesar de estarem muitas vezes tombadas, decaídas, apagadas ou homogeneizadas. Os grafiteiros e pichadores de Paranaguá não aceitam esse estado de coisas, praticando uma arte de guerrilha. Eles partem para cima da pretensa tranquilidade das temperaturas mornas, agredindo a folclórica malemolência ordeira atribuída à antiga capital.

O grafite que interessa ao olhar de Paranaguá é, portanto guerrilha, resistência, irreverência e subversão de sentido. Não é algo estático, acabado, ou prêt-à-porter, inclusive pode conter dor física, reclame explicitante e grito de atenção.

Conforme indica Paranaguá, essa seleção de imagens da arte da rua expressa algo do genius loci, um traço irrequieto e insatisfeito, nitidamente baiano, sempre portanto uma mensagem ou código emocional em direção à todas as coisas de um universo cultural específico e irredutível. Ao mesmo tempo e, independentemente do sentido alcançado ou pretendido com belos desenhos e pinturas, é uma arte desbloqueada.

Enquanto fotógrafo, Paranaguá reúne em imagem, poesia cotidiana e piração visual na forma de painéis coletivos. O livro se desdobra em largas páginas de visão panorâmica de Salvador, em que os olhos do leitor se desmancham nas artimanhas espaciais desenvolvidas pelos seus mais criativos cidadãos. Por vários anos, o pesquisador fez o registro incansável de uma permanente ruptura na ordem estabelecida.

O coletivo transparece a sua crítica e a sua revolta através dos grafites e pichações estampados no livro de Paranaguá. Mas complementarmente, faz-se justiça ao discurso e ao pensamento embutido nessa produção, através das entrevistas e discursos recolhidos no alentado volume. Há, ali, algumas pérolas para o leitor atento e minucioso.

Vale dizer, nesse ponto, que um aspecto realçado no livro é o caráter anônimo do grafite soteropolitano. A coletânea dá destaque a essa vertente, pois há muitas inscrições das quais não se reconhece autoria ou marca de uma identidade pessoal. Além disso, uma boa parte das fotos de Paranaguá revelam por si só o olhar também dissolvido na multidão por meio de grafites e pichações sem assinatura, o que constitui um trunfo do pesquisador.

Lutando com as qualidades de sua própria debilidade, a arte da rua é passageira e grupal. Porta uma força que não serve a nenhum poder estabelecido e a nenhum discurso unitário. Paranaguá procurou realçar essa dimensão do grafite e da pichação numa cidade complexa e, pode-se dizer, muitas vezes periclitante, como é Salvador. Esse maneiro e sutil amante da cidade, felizmente, soube bem resgatar em inesquecíveis páginas, o seu humor e o lirismo.

(Foto: Iamani Paranaguá. Denuncie abusos. Direitos reservados).

 

 

 

 

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